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PESQUISE  

DADOS SOBRE GAGUEIRA - Anelise Junqueira Bohnen

02/11/2023

 

 

As descrições da GAGUEIRA

As descrições mais usadas e aceitas na comunidade científica sobre gagueira são as publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Associação Psiquiátrica Americana (APA). A OMS produz a Classificação Internacional de Doenças e outros Distúrbios, conhecida como CID. Aversão vigente da CID é a 11.

Nessa nova descrição, a OMS reposiciona-se em relação à gagueira. Essa é uma mudança muito significativa, pois está baseada nos novos conhecimentos que as neurociências trouxeram para essa área de estudo. A nova descrição de gagueira vai para um eixo principal, chamado de Eixo 06, que trata de três áreas distintas: distúrbios mentais, distúrbios comportamentais OU distúrbios  neurodesenvolvimentais. Esta última é a área onde se encontrará o código 6A01, relativo aos distúrbios desenvolvimentais da fluência da fala, como gagueira e taquifemia.

Esse código descreve a gagueira como um distúrbio da fluência da fala. Vou enfatizar a expressão fluência da fala. A fluência é um dos parâmetros da linguagem. A fala é a expressão oral da linguagem. Para termos uma boa linguagem oral (ou seja, uma boa fala), precisamos ter fluência (Bohnen, 2009). Esta compreensão é fundamental porque, com essa descrição, a OMS coloca a gagueira na área da Fonoaudiologia, que tem na linguagem e seus distúrbios o seu principal objeto de estudo (Bohnen e Ribeiro, 2016). Só por isso, já consegue diminuir um pouco a ideis do senso comum de que a gagueira possa ter causas emocionais, uma vez que esse tema não é objeto de estudo da Fonoaudiologia.

Outra expressão importante na localização da gagueira no código 6A01.1 da CID 11 é nerodesenvolvimental. Os transtornos de neurodesenvolvimento são condições de déficit no desenvolvimento que trazem prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional, segundo a 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, 2013), desenvolvido pela Associação Americana de Psiquiatria (APA). De forma simpes e direta, esta expressão quer dizer que a gagueira está classificada como um prejuízo no funcionamento do cérebro, que acontece durante o seu desenvolvimento.

A CID11 descreve a gagueira assim:

"Distúrbio desenvolvimental da fluência da fala, que é caracterizado por rupturas persistentes, frequentes ou pervasivas do fluxo da fala, que surge durante o período de desenvolvimento e está fora dos limites das variações normais esperadas para idade e nível de funcionamento intelectual e resulta em redução da inteligibilidade e afeta significativamente a comunicação. Pode envolver repetições de sons, sílabas ou palavras, prolongamentos, quebra de palavras, bloqueios de produçao, uso excessivo de interjeições e quebras abruptas e rápidas da fala."

Deve-se reparar que, nesta descrição, não consta o vocábulo gagueira. Há a expressão distúrbio desenvolvimental da fluência da fala (DDFF). No momento em que os autores da CID 11 usam essa expressão, abandonam o vocábulo gagueira. Essa atitude dos autores da CID 11, de deixar de usar a palavra gagueira, iniciou em 2013, quando a Associação Americana de Psiquiatria (APA) lançou a última verssão do DSM V (Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disorders - DSM V). A APA descreve gagueira como um Distúrbio da Fluência Iniciado na Infância (DFII), coloca o termo gagueira entre parênteses (Childhood-Onset Fluency Disorder [Stuttering] e usa o código DSM V 315.35. Nas faixas de busca do DSM V, tambpem não se localiza mais a palavra gagueira. Nessa publicaçao, este distúrbio de fluência está no Eixo dos Distúbrios da Comunicação e dentro deste, está classificado como um distúrbio do neurodesenvolvimento (DND). Considerado um distúrbio de comunicação, gagueira, ou DDFF, ou DFII, essas duas instituições internacionais colocam esse distúrbio de fluência no camp da Fonoaudiologia, cujo objetivo principal é promover a comunicação!

O DSM V descreve gagueira assim:

“Distúrbio de Fluência Iniciado na Infância (Gagueira) é um distúrbio nos padrões normais de fala e fluência que interfere com o desempenho normal. Interrupções na fluência normal e no padrão de tempo da fala (inadequado para a idade do indivíduo), exemplificado por ocorrências repetidas de uma ou mais dos seguintes: repetições sonoras e silábicas, prolongamentos sonoros, interjeições, palavras quebradas (rupturas dentro de uma palavra), bloqueio audível ou silencioso (lacunas preenchidas ou não preenchidas na fala), circunlocuções (substituições de palavras para escapar de palavras desafiadoras), palavras formadas com uma sobrecarga de tensão física, repetições de palavras inteiras monossilábicas”.

 

Essas descrições são importantes porque redefinem a conduta dos médicos e, consequentemente, a dos profissionais da saúde, especialmente os da Fonoaudiologia. 

Também são fundamentais porque nelas não constam as causas (e por isso são descrições e não definições).

No Brasil ainda não se tem um consenso sobre qual expressão usar... e a palavra gagueira, com tudo o que contém de estigma, continua sendo a escolha...

 

No quadro abaixo encontram-se as principais características da gagueira:

  • Predomina em meninos: 4 a 5 meninos para 1 menina.
  • Independe de raça, de nível socioeconômico e de escolaridade.
  • Não tem relação com níveis de inteligência.
  • Inicia predominantemente entre 2 e 4 anos de idade.
  • É individual e involuntária (não existem duas gagueiras iguais).
  • É intermitente (momentos de nenhuma ou de de muitas rupturas).
  • Varia de pessoa para pessoa, mas conserva as características gerais.
  • Ocorre predominantemente em famílias, embora não siga um padrão de herança mendeliano simples.
  • Não é causada pro deficiências cognitivas óbvias.
  • Não apresenta anatomia cerebral macroscópica com ressonância magnética de alta resolução.
  • Diminui a espontaneidade na comunicação.
  • Pode impactar negativamente a pesso em suas habilidades de comunicação em várias situações. Ex.: falar com os amigos é diferente de falar ao telefone, apresentar um trabalho ou ler em voz alta em classe...
  • Pode aumentar as dificuldades de enfrentamento de situações de fala, bem como de reação às respostas negativas de quem está no ambiente do falante (ex.: pais, professores, colega e outros).
  • Referências: 

           Yairi e Ambrose (2013), Bohnen (2009) e Chang (2019.

 

Abaixo encontram-se as características mais fáceis de observar na pessoa que gagueja.

 

  • Bloqueios: interrupções do fluxo da fala que podem durar até vários segundos; podem ser acompanhados de esforço físico, como piscar de olhos, movimentos de cabeça e dificuldades respiratórias, entre outros. Ex.: Eu vou para (pausa) casa.

  • Repetições de sons: Ex.: Eu vou para c-c-casa.

  • Repetições de sílabas: Ex.: Eu vou para ca-ca-casa.

  • Repetições de palavras monossilábicas: Ex.: Eu-eu-eu vou para casa.

  • Prolongamentos de sons: Ex.: Eu vvvvvvou para casa.

           Referências: Bohnen (2009) e Oliveira e Bohnen (2017). 

 

Etiologia: Neurofisiologia

A origem da gagueira é multifatorial. Por isso, é importante tratar dos aspectos neurofisiológicos, genéticos e perinatais, bem como das infecções que podem contribuir para que a gagueira não só se manifeste, como também se perpetue, caso não haja intervenção nos momentos propícios, ou seja, o mais próximo possível do aparecimento das rupturas.

Desde o advento das tecnologias de captação de imagens do cérebro, ao redor dos anos 1990, a forma de entender gagueira mudou drasticamente (Bohnen, 2009). Na gagueira, a comunicação repentinamente torna-se um obstáculo, deixando de ser uma ação livre de esforço, como piscar os olhos (Maguire e Wither, 2010). 

A etiologia da gagueira não está relacionada com causas emocionais. Sabe-se que é um distúrbio que se caracteriza por um desenvolvimento atípico da rede motora da fala, e isso ocorre tanto no planejamento quanto na execução dos movimentos (Smith e Weber, 2016).                                                                                                                                                  

No século 21, pesquisas com técnicas de imagem em cérebros infantis que gaguejam comparando-os com outros que não gaguejam vêm aumentando muito o conhecimento sobre a gagueira (Garnett et al., 2018; Chang e Guenther, 2020; Koenraads et al., 2019). Estudar o cérebro de crianças que gaguejam pode levar ao entendimento das causas da gagueira, especialmente daquelas que não podemos ver ou ouvir. Mais importante ainda, permitirá aos fonoaudiólogos a transformação de conhecimento científico teórico em prática clínica (Bohnen, 2007) e melhorará o raciocínio clínico. Possivelmente, diminuirá as chances de cronificação deste distúrbio em crianças que gaguejam, apesar dos fatores de risco. 

Esses estudos centram-se principalmente na camada externa do cérebro, chamada córtex (Chang et al., 2015; Chow e Chang, 2017; Chang, 2020). O córtex cerebral é formado pela substância cinzenta (que contém o corpo celular do neurônio) e é o local do processamento neural mais sofisticado e distinto. É uma fina camada, a mais externa do cérebro.  O cérebro humano é formado pelo hemisfério esquerdo, que é responsável pela parte motora da fala, e pelo hemisfério direito, que dá conta do ritmo, da velocidade de fala e da prosódia, entre tantas tarefas. Estes hemisférios comunicam-se entre si através do corpo caloso. Os neurônios criam circuitos que viabilizam a capacidade de pensar com linearidade, a capacidade de usar a fala e a linguagem escrita. As interações entre os hemisférios tornam possível pensar em sistemas abstratos e simbólicos, como a matemática (Taylor, 2008), e também – entre inúmeras tarefas – falar com fluência.

 

Quanto menos tempo a criança ficar gaguejando, maiores serão as possibilidades de estimular suas estruturas cerebrais para produzir uma fala mais fluente. 

Chang (2020): “A produção da fala fluente tem o suporte de múltiplas áreas cerebrais e das eficientes interações entre elas. O que pode dar errado neste processo para que uma fala seja não fluente? Os mecanismos neurais e modelos de fala fluente ocorrem através de vias neurais corticais e subcorticais que dão suporte à fala fluente. Os métodos de neuroimagem usados para estudar a fala têm mostrado as bases neurais de gagueira do neurodesenvolvimento, porque se observam diferenças estruturais e funcionais nos cérebros de crianças que gaguejam quando comparados com cérebros de crianças que não gaguejam. Talvez o mais complexo comportamento motor humano, a fala envolve a coordenação de mais de 100 músculos nos sistemas articulatório, laríngeo e respiratório, que devem ser precisamente cronometrados e sincronizados dentro de escalas de tempo de milissegundos”.

Sabemos, desde 2009, que o cérebro “avisa” que vai gaguejar 450 milissegundos antes de a ruptura chegar à boca da pessoa (Sahin et al., 2009). “Avisar” significa que a pessoa sabe que tem alguma palavra que não será fluente, antes de pronunciá-la. Muitas crianças reagem a esse “aviso” mudando de palavra, mostrando-se incomodadas, desistindo de falar... 

Wu, Maguire et al. (1995, 1997) lançaram a teoria do excesso de dopamina na gagueira. Os autores descobriram um aumento da captação de 6-FDOPA no córtex pré-frontal medial, córtex orbital profundo, córtex insular e auditivo dos indivíduos com gagueiras de moderadas a severas.  A dopamina é um neurotransmissor que tem várias funções no cérebro. Um neurotransmissor funciona como um mensageiro químico, levando informações de um neurônio para outro. Entre as várias funções que a dopamina tem, estão a automatização de tarefas motoras e cognitivas, como caminhar, falar, escrever. A teoria da dopamina é compatível com a hipótese de que a gagueira está associada ao excesso de atividade dopaminérgica em regiões do cérebro que modulam a produção da fala. 

Desde então, Maguire vem estudando substâncias bloqueadoras da ação dopaminérgica para adultos que gaguejam. Assim, estes poderão encontrar uma forma de sincronia que facilite sua fluência.  Quando ele diz que a gagueira inicia no cérebro, está falando da neuroquímica envolvida na produção da fala ou das rupturas da fala (Maguire et al., 2010). Já que a dopamina é um neurotransmissor que colabora na regulação do movimento, quando o cérebro a produz em excesso, não consegue processar sincronizadamente a informação para a área motora suplementar, destinada à produção da fala (Alm, 2004a; 2004b). O aumento de dopamina encontrado nas regiões reguladoras da fala no cérebro de pessoas com gagueira está relacionado com o hipometabolismo de uma área que é responsável pela temporização, o estriato. O estriato é o temporizador natural do cérebro e, no caso das pessoas que gaguejam, tem um funcionamento anormalmente lento (Maguire e Whiter, 2010). Pessoas que gaguejam geralmente relatam dificuldades em iniciar uma palavra.

Bohnen (2009), analisando uma amostra de 1.326 palavras gaguejadas, retiradas de um corpus de 12.000 palavras faladas, observou que, em 97% destas palavras, as rupturas ocorreram no primeiro som ou na primeira sílaba das palavras. A primeira sílaba pode ou não ser tônica, a palavra pode ter uma ou várias sílabas, pode ser pronunciada por homens, mulheres, adultos ou crianças – não há diferença estatística: a ruptura vai ocorrer no início da palavra. Mais:  quase 49% destas 1.326 palavras gaguejadas tinham uma sílaba! Em uma análise morfológica, essas palavras de uma sílaba, predominantemente, foram preposições e conjunções na categoria átona e pronomes pessoais e verbos na categoria tônica. Chang e Guenther (2020) sugerem que a gagueira pode ser o resultado de um mau funcionamento de regiões do cérebro que são responsáveis por iniciar os programas motores da fala. Esta é a provável explicação dos dados encontrados por Bohnen (2009).

Garnett et al. (2018) publicaram o primeiro estudo sobre medidas morfométricas realizadas em cérebros de crianças que gaguejam. Um grupo de crianças que se recuperaram espontaneamente da gagueira e um grupo de crianças que persistiram gaguejando foram comparados com um grupo de crianças sem gagueira. Este estudo mostrou evidências robustas de que há um déficit primário na rede neural da fala no hemisfério de crianças que persistem gaguejando. Também evidenciou um possível mecanismo compensatório nas crianças que superaram a gagueira. Já nas crianças que persistiram gaguejando, verificou-se uma espessura significativamente diminuída nos córtex motor e pré-motor esquerdos. As crianças com gagueira apresentaram uma integridade atenuada da substância branca nos tratos que interconectam as principais regiões motoras da fala e auditivas, bem como naqueles que se conectam entre os hemisférios. 

Koenraads et al. (2019) também encontraram crianças com histórico de gagueira com menos volume de massa cinzenta no giro frontal inferior esquerdo e na área motora suplementar. As habilidades necessárias para a fala são habilidades motoras que dependem de sistemas cerebrais amplamente distribuídos em regiões que trocam informações de forma rápida e sincronizada. Qualquer comprometimento neural, em qualquer lugar, pode resultar em dificuldades motoras, como lentidão para o início da execução da fala. 

Busan et al. (2018) acreditam que, na gagueira do neurodesenvolvimento, há anormalidades na substância branca e anormalidades tálamo-corticais. Explicam como as anormalidades da substância branca e as disfunções córtico-basal-tálamo-corticais podem estar associadas na gagueira como um distúrbio do tempo neural. Este tempo parece atrasado se comparado ao dos mesmos mecanismos em crianças fluentes. Os autores também relatam a importância da área motora suplementar e das ativações do hemisfério direito na tentativa de recuperação do timing neural, que está comprometido no hemisfério esquerdo. 

Essa explicação é longa e pode parecer complexa, como todas as que envolvem o cérebro. O importante é que se saiba que há muitas pesquisas e fortes evidências de como funciona o cérebro de uma criança que gagueja: há uma forma atípica de coordenação articulatória inadequada, especialmente em meninos, que são os mais propensos a persistir na gagueira (Walsh et al., 2015). As meninas têm mais possibilidades de recuperação espontânea. 

 

Iniciar uma fala é de extrema complexidade eletrobioquímica, e a comunidade científica mundial debruça-se sobre o funcionamento do cérebro para entender melhor o que ocorre na gagueira, objetivando promover melhores tratamentos, sejam eles medicamentosos, fonoaudiológicos ou, mais provavelmente, uma combinação de ambos. Sabemos que as causas da gagueira são multifatoriais. Porém, uma coisa parece clara: quase todo adulto que gagueja foi uma criança com gagueira que não recebeu o tratamento adequado no momento ótimo para tal. Será que seus pais foram aconselhados a esperar...? Assim, será possível fazer intervenções eficazes na primeira infância para evitar que a gagueira se torne crônica.  

Iniciar uma fala é de extrema complexidade eletrobioquímica, e a comunidade científica mundial debruça-se sobre o funcionamento do cérebro para entender melhor o que ocorre na gagueira, objetivando promover melhores tratamentos, sejam eles medicamentosos, fonoaudiológicos ou, mais provavelmente, uma combinação de ambos. Sabemos que as causas da gagueira são multifatoriais. Porém, uma coisa parece clara: quase todo adulto que gagueja foi uma criança com gagueira que não recebeu o tratamento adequado no momento ótimo para tal. Será que seus pais foram aconselhados a esperar...? Assim, será possível fazer intervenções eficazes na primeira infância para evitar que a gagueira se torne crônica.  

 

Etiologia: Genética

Como dito acima, as causas da gagueira são múltiplas. Os estudos realizados na área da genética têm colaborado para entender essas origens, uma vez que se observa que gagueira predomina em famílias. “Em estudos de gagueira, ligação e abordagens de genes candidatos em famílias consanguíneas identificaram mutações nos genes da via de direcionamento de enzimas lisossomais GNPTAB, GNPTG e NAGPA, revelando um papel para defeitos hereditários no metabolismo celular neste distúrbio” (Han, Root et al., 2019).

Gagueira exibe alta herdabilidade (Frigerio-Domingues e Drayna, 2017). Foram identificadas mutações nos genes GNPTAB, GNPTG, NAGPA e AP4E1, que estão associados a esse transtorno. Os produtos destes genes interagem uns com os outros in vivo e in vitro (Kang et al., 2010), participando no controle do tráfego intracelular, com déficits reconhecidos em uma ampla gama de distúrbios neurológicos. Drayna e Kang (2011) revelaram que genes ligados à transmissão da gagueira podem ser identificados dentro de grupos familiares.  Segundo Smith e Weber (2016), também está claro que os genes não causam gagueira. Humanos com genes idênticos em nascimento não estão destinados a compartilharem a gagueira, e estudos com gêmeos mostram que não há uma regra para tal.  Bebês não nascem programados para gaguejar, pois já se sabe que a gagueira aparece durante o desenvolvimento do cérebro. 

À medida que se compreende melhor a incidência da gagueira em famílias, com o auxílio de técnicas de genotipagem mais avançadas, a evidência de um forte fator genético tornou-se inquestionável (Yairi e Ambrose, 2013).  De acordo com Chang (2019), a herdabilidade é estimada em aproximadamente 80% dos casos, havendo famílias numerosas com alta incidência de gagueira. Os genes GNPTAB, GNPTG, NAGPA e AP4E1, no entanto, respondem por apenas 20% dos casos. Há outros fatores sendo estudados que determinam se um gene está ativado ou desativado, como, por exemplo: os estágios de desenvolvimento da linguagem, a hora do dia, o gênero e os sinais químicos de outras células, entre outros, que poderiam responder sobre a intermitência da gagueira. As interações entre as funções lisossomais e metabólicas desempenham um papel no desenvolvimento de anomalias estruturais associadas à gagueira. Em certas regiões do cérebro, essas anomalias podem ser particularmente vulneráveis ao efeito de alterações nesses genes durante períodos de aumento acentuado na utilização de energia do cérebro, que coincide com um período de rápido desenvolvimento da linguagem e o início da gagueira durante a infância.

 

Etiologia: lesões perinatais 

 

ogia: lesões perinatais 

Uma vez que a genética responde por aproximadamente 80% dos casos, os outros 20% de causas possíveis estão ligados às lesões perinatais e também às infecções de repetição. Tseng et al. (2019) identificaram dificuldades de linguagem em crianças e adolescentes que nasceram muito prematuros (<32 semanas de gestação), associadas a uma lateralização atípica do processamento de linguagem, ou seja, a um aumento do envolvimento do hemisfério direito. Este estudo usou imagem de ressonância magnética funcional (fMRI) e tractografia por deconvolução esférica para estudar as respostas hemodinâmicas associadas ao processamento da fluência verbal (testes fáceis e difíceis) e tratos de fibra da substância branca relacionada à fluência verbal em 64 nascidos muito prematuros e 36 controles adultos (idade média: 30 anos). Seus resultados mostraram que a fluência verbal é afetada pela lateralização funcional alterada em adultos que nasceram muito prematuros.

 

Etiologia: infecções 

 

De acordo com Alm (2020), por definição, a gagueira não pode ser descrita como um transtorno neuropsiquiátrico, mas sim como um sintoma neurológico relacionado com controle de movimentos da fala. Mudanças na transmissão de dopamina parecem ser um aspecto importante dos mecanismos patológicos da neurologia, como as sequelas de infecções por Streptococcus do tipo A (GAS), coreia de Sydenham e PANDAS (Alm, 2004; Maguire et al., 2004). De acordo com Maguire et al., (2019), os anticorpos dirigidos contra a infecção por estreptococos reagem de forma cruzada e atacam gânglios basais em desenvolvimento. Ainda se desconhece a magnitude das infecções por GAS como fator causal para gagueira, mas se sabe que o início súbito da gagueira parece ser uma característica de sequelas neurológicas de infecções por GAS. De acordo com Yairi (2004), em seus estudos, quase 30% das crianças tiveram um início repentino de gagueira, ocorrendo em um único dia, normalmente sem evento causal aparente. 

Logo, gagueiras que se caracterizam por um início repentino e súbito, sem história familiar conhecida e sem lesões perinatais, deverão ser investigadas sem demora. A razão é simples: se a presença dos estreptococos for detectada por exames de sangue e se a condição for tratada com as medicações corretas para tal, a gagueira tem uma grande chance de desaparecer. Portanto, mais uma vez, chega-se ao princípio do “não esperar”, pois, também nesse caso, não tratando no momento certo, não “passará”. Já está estabelecido que o cérebro tem plasticidade, e assim podemos impedir que a gagueira se torne crônica. 

 

Tratamento

Tratar gagueira é um processo que deve ser realizado por um fonoaudiólogo especialista na área. Infelizmente, ainda existem poucos profissionais dentro dessa categoria, de acordo com dados do Conselho Federal de Fonoaudiologia (acesso em 2022). 

Na infância, a gagueira pode coexistir com outras patologias, como autismo, déficit de atenção com hiperatividade, problemas de linguagem oral e escrita, além de fluência, motricidade oral, voz, respiração oral, entre tantas, só para ficar na área da Fonoaudiologia. Choo et al. (2020) fizeram um estudo populacional com 2.258 crianças com gagueira (638 meninas e 1.620 meninos), pareadas com 117.725 crianças sem gagueira (57.512 meninas e 60.213 meninos). O objetivo deste estudo era saber sobre as possíveis associações entre gagueira, comorbidades e funções executivas, comparando manifestações comportamentais, como desatenção e autorregulação, em crianças com e sem gagueira.  Os resultados apontaram para funções executivas mais fracas em crianças com gagueira. Crianças com funções executivas mais fortes apresentaram maior competência socioemocional. A maioria das crianças com gagueira (60,32%) apresentou pelo menos uma comorbidade além da gagueira. Os meninos com gagueira tiveram mais probabilidade de ter condições comórbidas em comparação com meninas que gaguejam. Esses resultados atuais sugerem que a comorbidade é uma característica comum na criança que gagueja. 

Outras comorbidades importantes que têm sido observadas cada vez mais frequentemente são as relacionadas ao sono. Merlo e Briley (2019) investigaram problemas de sono e suas consequências negativas durante o dia em crianças que gaguejam. Os resultados revelaram problemas de sono em crianças com gagueira em todas as faixas etárias. Este foi o primeiro estudo a relatar uma associação significativa entre gagueira e problemas de sono em uma amostra de base populacional que incluiu 203 crianças com gagueira em uma população de 10.005 crianças sem gagueira. Insônia ou dificuldade para dormir, sonolência e fadiga durante o dia foram sinais evidentes nas crianças que gaguejam. Esses dados são importantes porque, muitas vezes, as crianças demonstram tais sinais em sala de aula. Os dados deveriam estar no radar dos professores, não só no que se refere às crianças que gaguejam, mas em relação a todas, uma vez que a “privação de sono não permite que o cérebro seja adequadamente desintoxicado, aumenta a tensão muscular de todo o corpo e degrada as funções cognitivas (como a atenção). Todos esses fatores ocasionam piora da gagueira” (Merlo, blog, consultado em novembro de 2020).

O TRATAMENTO está dependente de cada caso. O mais importante é procurar logo um fonoaudiólogo especialista no assunto e iniciar a intervenção o mais próximo possível do início das rupturas. Essa é a maneira mais importante de proporcionar à criança que gagueja (e sua família) a possibilidade de a gagueira não cronificar.

 

MEDICAMENTOS:

Como a teoria da dopamina mostra, as pessoas que gaguejam têm uma hiperativação deste neurotransmissor que interfere na sincronia motora da fala.

Logo, todas as substâncias que estão sendo investigadas para uso adulto são bloqueadoras de dopamina.  As investigações estão sendo realizadas desde o final dos anos 90, mas ainda nenhuma dessas substâncias foi aprovada pelo FDA.

O IBF

Sua missão é difundir conhecimento para que a qualidade do atendimento aos que  gaguejam seja cada vez melhor e mais qualificado.

Em boa parte dos cursos de graduação em Fonoaudiologia, os conteúdos sobre distúrbios de Fluência são muito reduzidos e, em boa parte, inexistentes. 

O que não contribui em nada para a melhoria da área, tanto na pesquisa, quanto na produção científica e na qualidade do atendimento oferecido.

 

Aqui neste link, se pode encontrar os 25 mitos mais comuns sobre gagueira:

https://gagueira.org.br/gagueira-caracteristicas/25-mitos-sobre-gagueira 

 

DIA 22 DE OUTUBRO É O DIA INTERNACIONAL DE ATENÇÃO À GAGUEIRA.

 

O III FÓRUM CIENTÍFICO DO IBF visa colaborar para a disseminação de conhecimento e compartilhá-lo de forma simples para que todos possam melhorar sua forma de ver este distúrbio multidimensional do neurodesenvolvimento.

Esse artigo foi baseado em:

Bohnen, AJ. Desmistificando a gagueira: conceitos, etiologia e tratamento. In: CONHECENDO A GAGUEIRA NO AMBIENTE ESCOLAR, capítulo 1. Coord. Soares, Capellini, Batista; e Santiago. BookToy, SP, 2023