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O que causa a gagueira?

Radiografias do cérebro
07/04/2020

O que causa a gagueira?

Autores: Christian Büchel e Martin Sommer

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A gagueira, com sua característica interrupção no fluxo verbal, é conhecida há séculos; os primeiros relatos datam provavelmente dos tempos bíblicos de Moisés, personagem descrito como lento de fala e pesado de língua e que exibia um comportamento de evitação constante (Êxodo 4, 10-13). A gagueira ocorre em todas as culturas e grupos étnicos (Andrews et al., 1983; Zimmermann et al., 1983), embora as taxas de prevalência possam diferir. Na medida em que muitos dos passos através dos quais produzimos linguagem ainda permanecem um mistério, distúrbios como a gagueira continuam sendo mal compreendidos. Contudo, abordagens genéticas e neurobiológicas estão nos fornecendo pistas importantes a respeito das causas do problema e de melhores tratamentos.

O que é a gagueira?

A gagueira é uma interrupção na fluência verbal caracterizada por repetições ou prolongamentos, audíveis ou não, de sons e sílabas (figura 1). Essas vacilações na fala não são prontamente controláveis e podem ser acompanhadas por outros movimentos e por emoções de natureza negativa, tais como medo, embaraço ou irritação (Wingate, 1964). Para ser mais exato, a gagueira é um sintoma, não uma doença; mas o termo gagueira normalmente é usado para se referir a ambos, desordem e sintoma.


A gagueira do desenvolvimento surge antes da puberdade, geralmente entre dois e cinco anos de idade, sem dano cerebral aparente ou outra causa conhecida (idiopática). É importante fazer a distinção entre esta gagueira do desenvolvimento persistente (PDS, acrônimo do inglês persistent developmental stuttering), que enfocamos aqui, e a gagueira adquirida. Esta última, também chamada de gagueira neurogênica, ocorre após um dano cerebral bem definido, ocasionado por um derrame, uma hemorragia intracerebral ou um traumatismo craniano. É um fenômeno raro que tem sido observado após lesões em uma grande variedade de áreas cerebrais (Grant et al., 1999; Ciabarra et al., 2000).

A apresentação clínica da gagueira do desenvolvimento difere daquela verificada na gagueira adquirida. Na primeira, a dificuldade é particularmente predominante no começo da palavra ou do sintagma, em palavras longas ou significativas ou em enunciados sintaticamente mais complexos (Karniol, 1995; Natke et al., 2002), e a ansiedade associada ao problema e os sintomas secundários são mais pronunciados (Ringo and Dietrich, 1995). Além disso, em tarefas de leitura repetida, a freqüência da gagueira tende a diminuir (adaptação) e a se manter nas mesmas sílabas (consistência). Entretanto, a distinção entre ambos os tipos de gagueira não é rigorosa. Em crianças com dano cerebral perinatal ou outro qualquer, a gagueira é mais freqüente do que em outras crianças da mesma idade, e ambos os tipos de gagueira podem se sobrepor (Andrews et al., 1983).

Quem é atingido?

A gagueira do desenvolvimento persistente (PDS) é um distúrbio muito freqüente; aproximadamente 1% da população sofre desta condição. Uma quantidade estimada em 3 milhões de pessoas, só nos EUA, e 55 milhões, em todo o mundo, possuem o problema. A taxa de prevalência é similar em todas as classes sociais. Em muitos casos, a gagueira prejudica severamente a capacidade de o indivíduo se comunicar, levando a conseqüências socioeconômicas devastadoras. Contudo, há também muitos gagos que, a despeito de seu distúrbio, tornam-se pessoas bem-sucedidas e até famosas. Por exemplo, Winston Churchill tinha de ensaiar todos os seus discursos públicos até a perfeição e ainda ensaiava respostas para possíveis perguntas e críticas, a fim de evitar a gagueira. Charles Darwin também gaguejava; curiosamente, seu avô, Erasmus Darwin, sofria do mesmo problema, reforçando a suspeita de que a gagueira se concentra em determinadas famílias e provavelmente possui uma base genética.

A incidência da PDS está em torno de 5%, e sua taxa de recuperação é de até 80%, resultando, portanto, em uma prevalência de 1% na população adulta. Como a taxa de recuperação é consideravelmente maior em meninas do que em meninos, a razão homem/mulher aumenta durante a infância e adolescência até alcançar a proporção de 3 ou 4 homens para cada mulher afetada na idade adulta. Não está claro até que ponto esta recuperação é espontânea ou induzida por terapias precoces de fala. Também não existe nenhum método confiável que nos permita prever se uma criança afetada irá melhorar (Yairi and Ambrose, 1999). A presença de diversos membros afetados na mesma família sugere a existência de um componente hereditário. A taxa de concordância é de cerca de 70% para gêmeos monozigóticos (Andrews et al., 1983; Felsenfeld et al., 2000), cerca de 30% para gêmeos dizigóticos (Andrews et al., 1983; Felsenfeld et al., 2000), e 18% para irmãos do mesmo sexo (Andrews et al., 1983). Dada a alta taxa de remissão, é bem possível que o conjunto de anormalidades observadas em adultos reflita na verdade um processo prejudicado de recuperação, ao invés de serem as causas primitivas do problema (Andrews et al., 1983).

A mudança nas teorias

Ao longo dos séculos, uma variedade de teorias sobre a origem da gagueira, e suas respectivas abordagens terapêuticas, têm sido propostas. Na Grécia Antiga, as teorias referiam-se à aspereza ou secura da língua. No século 19, a causa do distúrbio foi atribuída a anor¬malidades no aparelho fonador. Assim, o tratamento estava baseado em uma extensa cirurgia plástica de remodelação do aparelho fonador (boca e garganta), levando freqüentemente a mutilações e incapacidades adicionais. Outras opções de tratamento eram pesos amarrados à língua ou a colocação de próteses ajustáveis à boca (Katz, 1977) (figura 2). No século 20, acreditou-se inicialmente que a gagueira era uma desordem de natureza psicogênica. Como conseqüência, abordagens psicoanalíticas e terapias comportamentais foram aplicadas para solucionar os possíveis conflitos neuróticos (Plankers, 1999). Contudo, estudos baseados na análise de traços de personalidade e das interações entre pais e filhos não detectaram padrões psicológicos consistentes que pudessem ser associados à gagueira (Andrews et al., 1983).


Outras teorias consideram a gagueira como um comportamento aprendido, resultante de estímulos externos desfavoráveis, normalmente reações parentais negativas a episódios normais de disfluência na criança (Johnson, 1955). Apesar de este modelo ter falhado na tentativa de explicar os sintomas essenciais da gagueira (Zimmermann et al., 1983), pode ser útil para explicar os sintomas secundários do problema (Andrews et al., 1983); nesse sentido, intervenções precoces dirigidas aos pais podem ajudar a prevenir a persistência do problema na idade adulta (Onslow et al., 2001). A severidade da PDS é claramente modulada pelo estado de excitação, nervosismo e outros fatores (Andrews et al., 1983). Isto tem levado a um modelo bifatorial da gagueira. Acredita-se que o primeiro fator seja a causa basilar da desordem, consistindo muito provavelmente numa anormalidade estrutural ou funcional do sistema nervoso central (SNC), enquanto o segundo fator reforça o primeiro, especialmente através da aprendizagem de rituais de antecipação e evitação. Contudo, deve-se ter cuidado ao afirmar que este último fator é de natureza psicogênica ou psicológica, porque a neurociência tem mostrado que a aprendizagem não é um processo simplesmente psicogênico, mas sim algo que leva a mudanças estruturais mensuráveis na arquitetura cerebral (Kandel and O’Dell, 1992).

Em alguns casos, as situações de alerta na verdade atuam como estímulos capazes de atenuar a gagueira, ao invés de torná-la pior. Conseqüentemente, alguns gagos famosos têm tratado sua gagueira por meio da exposição proposital a essas situações. É o caso do ator americano Bruce Willis, que começou a gaguejar aos oito anos de idade. Ele relata que, ao entrar para um grupo de teatro no ensino médio, sua gagueira subitamente desapareceu diante da platéia.

A gagueira é um distúrbio sensorial, motor, ou cognitivo?

Pessoas que gaguejam, como grupo, diferem dos seus pares fluentes por apresentarem, na média, uma pontuação levemente mais baixa em testes de inteligência, tanto em tarefas verbais quanto em tarefas não-verbais, e por apresentarem um certo atraso no desenvolvimento da fala (Andrews et al., 1983; Paden et al., 1999). Contudo, as desvantagens nos escores de inteligência precisam ser interpretadas cuidadosamente, haja vista que os gagos geralmente enfrentam dificuldades para se ajustar ao ambiente escolar, o que pode resultar numa defasagem de vários meses (Andrews et al., 1983). Os sintomas associados incluem atrasos nas tarefas que requerem resposta vocal (Peters et al., 1989) e também em tarefas cronometradas de habilidade bimanual relativamente complexas, como inserir uma linha no buraco de uma agulha (Vaughn and Webster, 1989), ao mesmo tempo em que muitos outros estudos sobre tempos de reação sensório-motora não produziram resultados consistentes (Andrews et al., 1983). Alterações no feedback auditivo (p.ex., retroalimentação auditiva atrasada ou com alteração de freqüência), várias outras formas de estimulação auditiva (p.ex., leitura em coro) e mudanças do ritmo da fala (p.ex., fala silabada) produzem uma redução imediata e significativa na freqüência da gagueira, o que tem suscitado suspeitas de um processamento sensório-auditivo prejudicado ou da falta de um mecanismo eficiente de sincronização interna em indivíduos gagos (Lee, 1951; Brady and Berson, 1975; Hall and Jerger, 1978; Salmelin et al., 1998). Outros grupos de pesquisa também reportaram um início atrasado ou descoordenado em padrões articulatórios complexos em indivíduos gagos (Caruso et al., 1988; van Lieshout et al., 1993). A suposição de que a gagueira poderia ser uma forma de distonia - contrações musculares involuntárias produzidas pelo SNC -, específica para a produção de linguagem (Kiziltan and Akalin, 1996), não foi corroborada por um estudo sobre excitabilidade do córtex motor (Sommer et al., 2003).

A neuroquímica, por outro lado, pode estabelecer relações entre a gagueira e desordens relacionadas a uma rede de estruturas cerebrais envolvidas no controle do movimento, os núcleos da base. Um aumento na concentração do neurotransmissor dopamina tem sido associado a distúrbios de movimento, tais como a síndrome de Tourette (Comings et al., 1996; Abwender et al., 1998), que é uma desordem neurológica caracterizada por emissões vocais e movimentos corporais involuntários e repetitivos (tiques vocais e motores). Em conformidade com essa hipótese, assim como acontece com a síndrome de Tourette, a gagueira também é suavizada com a administração de medicação antidopaminérgica, ou seja, neurolépticos como o haloperidol, a risperidona e a olanzapina (Brady, 1991; Lavid et al., 1999; Maguire et al., 2000). Ao mesmo tempo, relatos sugerem que os sintomas da gagueira são acentuados ou até mesmo surgem a partir de um tratamento que envolva medicação dopaminérgica (Koller, 1983; Anderson et al., 1999; Shahed and Jankovic, 2001). Conseqüentemente, uma hiperatividade no sistema neurotransmissor dopaminérgico tem sido correlacionada à gagueira e parece contribuir para sua manifestação. Embora os antagonistas da dopamina tenham um efeito positivo sobre a gagueira, todos eles também possuem o risco de efeitos colaterais, o que ainda os impede de serem utilizados como uma primeira linha de tratamento para a gagueira. Lições tiradas a partir de técnicas de imageamento cerebral

Dada a existência de relatos sobre gagueira adquirida após trauma cerebral (Grant et al., 1999; Ciabarra et al., 2000), é possível cogitar que a simples análise das lesões (isto é, investigar o ponto comum de todas essas lesões que levaram à gagueira) pudesse ajudar na localização de uma anormalidade específica responsável pelo problema. Infelizmente, as lesões que levam à gagueira neurogênica são difusas e não parecem seguir um padrão evidente de sobreposição. Até mesmo o contrário tem sido observado: cura da gagueira após derrame talâmico em um paciente (Muroi et al., 1999).

Em pessoas fluentes, o hemisfério esquerdo, normalmente dominante para funções lingüísticas, fica mais ativo durante tarefas que envolvam fala e linguagem. Em contrapartida, estudos pioneiros sobre lateralização através de EEG já sugeriam um padrão anormal de dominância hemisférica em gagos (Moore and Haynes, 1980). Com o advento de outras técnicas não-invasivas de imageamento cerebral, tais como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a ressonância magnética funcional (fMRI), tornou-se possível visualizar a atividade cerebral de gagos e comparar os padrões obtidos àqueles de indivíduos fluentes do grupo controle. Seguindo a pista deixada por teorias consagradas que relacionavam a gagueira a um desequilíbrio na assimetria hemisférica normal (Travis, 1978; Moore and Haynes, 1980), um importante estudo baseado em PET (Fox et al., 1996) constatou uma ativação aumentada do hemisfério direito quando portadores de PDS eram solicitados a realizar uma determinada tarefa de linguagem. Outro estudo também utilizando PET (Braun et al., 1997) confirmou este resultado, mas adicionou um importante detalhe ao estudo prévio: Braun e seus parceiros de pesquisa descobriram que o hemisfério esquerdo estava mais ativo durante os momentos de produção de fala gaguejada, enquanto a ativação do hemisfério direito estava mais correlacionada aos momentos de fala fluente. Assim, os autores concluíram que a disfunção primária está localizada no hemisfério esquerdo e que a hiperativação do hemisfério direito pode não ser a causa da gagueira, mas na verdade um mecanismo compensatório. Um processo compensatório similar tem sido observado após derrames cerebrais que resultam em afasia, quando o hemisfério direito intacto tenta compensar no mínimo parcialmente a perda de função do hemisfério oposto (Weiller et al., 1995). A hiperativação do hemisfério direito durante produção de fala fluente tem sido confirmada mais recentemente por meio de fMRI (Neumann et al., 2003).

PET e fMRI têm alta resolução espacial; porém, em razão de determinarem apenas de forma indireta a taxa de atividade cerebral através do fluxo sangüíneo, a precisão de seus dados com relação ao instante exato de ocorrência do fenômeno investigado é mais limitada. A magnetoencefalografia (MEG) é um método mais apropriado quando se trata de examinar uma seqüência de respostas cerebrais de curta duração e minimamente espaçadas no tempo. Conseqüentemente, a MEG foi usada para investigar gagos e indivíduos fluentes do grupo controle durante uma tarefa de leitura de palavras isoladas (Salmelin et al., 2000). Um importante resultado obtido a partir deste estudo foi que os sujeitos gagos conseguiram ler a maioria das palavras isoladas fluentemente. Contudo, os dados mostraram também uma diferença bastante evidente entre os dois grupos: enquanto os indivíduos fluentes ativaram áreas frontais do hemisfério esquerdo relacionadas ao planejamento da linguagem antes de acionarem as áreas centrais envolvidas na execução da fala, este padrão estava ausente, ou até mesmo invertido, em gagos. Este foi o primeiro estudo a mostrar diretamente uma correlação neuronal da hipotética dificuldade de temporalização em gagos (Van Riper, 1982).

Desse modo, os estudos de neuroimagística funcional revelaram dois importantes fatos: (i) em gagos, o hemisfério direito parece estar hiperativado; e (ii) parece haver um problema de temporalização entre as regiões corticais frontal e central no hemisfério esquerdo. O último fato também se ajusta a várias outras observações que dão conta de que indivíduos gagos possuem pequenas anormalidades em tarefas de coordenação com um certo grau de complexidade, sugerindo que o problema subjacente está localizado em torno de áreas cerebrais motoras e áreas pré-motoras associadas.

Há anomalias estruturais paralelas às anomalias funcionais descritas? O primeiro estudo anatômico a investigar esta questão usou aparelhos de ressonância magnética de alta resolução que detectaram anormalidades em áreas cerebrais relacionadas às funções de fala e linguagem (áreas de Broca e Wernicke) (Foundas et al., 2001). Em adição a esses dados, os pesquisadores também relataram a presença de anomalias no padrão de girificação do cérebro. A girificação é um procedimento bastante complexo de desenvolvimento cerebral, e a ocorrência de anormalidades neste processo é um indício da presença de distúrbios do desenvolvimento.

Outro estudo recente investigou a hipótese de que uma conexão cortical deficiente poderia ser a razão subjacente às perturbações no sincronismo entre as regiões frontal e central observadas nos estudos de MEG (figura 3). Usando uma nova técnica de imageamento por ressonância magnética, a DTI (imageamento vetorial por tensor de difusão), que permite avaliar a estrutura íntima da substância branca cerebral (análise ultraestrutural de feixes nervosos), os pesquisadores depararam com uma área que exibia uma coesão nitidamente diminuída na constituição das fibras nervosas do opérculo rolândico esquerdo (Sommer et al., 2002). Esta estrutura é adjacente à representação motora primária da língua, da laringe e da faringe (Martin et al., 2001) e ao feixe arqueado inferior; ela liga áreas do córtex frontal e temporal encarregadas do processamento da linguagem, integrando-as numa espécie de sistema de linguagem têmporo-frontal responsável pela produção e percepção de palavras (Price et al., 1996). É portanto concebível admitir que uma transmissão perturbada de impulsos nervosos através das fibras que atravessam a região do opérculo rolândico inviabilize a rápida integração sensório-motora necessária para a produção de fala fluente. Esta teoria também explica a razão pela qual o padrão temporal normal de ativação entre o córtex pré-motor e o motor está dessincronizado em indivíduos gagos (Salmelin et al., 2000) e por que, como conseqüência, as áreas de linguagem do hemisfério direito tentam intervir para compensar esta deficiência (Fox et al., 1996).


Esses novos dados também fornecem uma teoria para explicar o mecanismo pelo qual as manobras comuns de indução de fluência - tais como ler em coro, cantar ou ler com o auxílio de um metrônomo - conseguem reduzir a gagueira instantaneamente. Todos esses procedimentos envolvem um sinal externo (isto é, outros leitores lendo em uníssono, a melodia da música que está sendo entoada, e o ritmo constante do metrônomo). Todos esses sinais externos alimentam o sistema de produção de fala através do córtex auditivo. É possível, portanto, que este sinal de disparo exterior alcance as áreas cerebrais centrais responsáveis pela produção da fala, contornando a desconexão frontocentral e reabilitando a sincronização dos centros de processamento cujas atividades estavam mal integradas. Em termos simples, esses estímulos externos podem ser vistos como uma espécie de marca-passo.

Os rumos futuros da pesquisa

Há numerosas questões que precisam ser melhor esclarecidas na gagueira. Se mudanças estruturais no cérebro causam a PDS, a questão chave é saber quando esta lesão surge. Embora os sintomas possam diferir um pouco, seria interessante descobrir até que ponto a gagueira transitória (que afeta cerca de 3% a 5% das crianças) está relacionada à gagueira do desenvolvimento persistente. É possível que todas as crianças que apresentem sinais de gagueira desenvolvam nesse estágio uma anormalidade estrutural, mas ela é de caráter apenas provisório naqueles que se tornam indivíduos fluentes. Se este for o caso, é ainda mais importante que a intervenção terapêutica comece tão cedo quanto possível, a fim de que ela seja mais efetiva. A resposta a esta questão pode vir através da metodologia atual já disponível, isto é, por meio de técnicas de imageamento não invasivo do cérebro, usando MRI.

Uma vez que garotos são cerca de quatro vezes mais propensos do que meninas a não se recuperar espontaneamente da gagueira infantil, é tentador especular que todos aqueles que manifestam gagueira nesta fase desenvolvam uma leve anormalidade estrutural, mas apenas os que conseguem utilizar o hemisfério direito para as funções de linguagem tornam-se fluentes. A lateralização da linguagem é menos pronunciada nas mulheres (McGlone, 1980) e pode, portanto, estar relacionada ao fato de as mulheres apresentarem uma taxa de incidência significativamente mais baixa de PDS. Mais uma vez, um estudo que acompanhe o desenvolvimento de crianças que gaguejam comparando-o ao desenvolvimento de outras crianças fluentes e, ainda mais importante, estudos longitudinais dentro desse grupo poderiam responder essas questões.

É pouco provável que a gagueira seja transmitida por meio de um padrão simples de herança. Atualmente, um modelo multifatorial para a transmissão genética é mais admissível. Além disso, está pouco claro se um determinado genótipo leva inevitavelmente à gagueira ou se apenas representa um fator de risco, e que outros fatores ambientais são necessários para desenvolver PDS. Outra vez, esta questão pode ser respondida num futuro bem próximo, pois o Instituto Nacional de Saúde nos EUA (NIH - National Institutes of Health) completou recentemente a fase de coleta de dados de uma ampla amostra de indivíduos acometidos para análise de linkage genético.

© PLoS Biology. Traduzido por Hugo Silva e revisado por Sandra Merlo, com a devida permissão.

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